16 de julho de 2008

Do Manuscrito - Ação: Brasil/Amazônia - Tempo: atualidade - Estilo: descritivo - Personagens: Uê e Ekii

Amanhece nas terras do Brasil.
A calmaria se traduz nos orvalhos balançantes, nas frutas em amadurecimento. Ao longe dos ouvidos dos pequenos indígenas havia um som na terra. Forte como o tempo que nos vence os dias. Uê aperta os olhos e nota pessoas no topo de um mirante, um morro agudo ao pé da enorme, calma e belíssima cordilheira que se espalhava terminando no vale que eles estavam. Ekii apenas rema e respira, ouve um zumbido desconhecido. Uê mostra a movimentação que avistara. Decidem se aproximar, recolhendo a canoa para a terra, e amarrando-a seguiram a pé em direção do som que crescia debaixo de seus pés, tão acostumados a pisar e pisar. Suas faces estão bem pintadas, ornamentados para combate. Pois estão completando o décimo verão de suas vidas. As tradições passadas por seus ancestrais só adimitem como adultos aqueles que sobrevivem por 28 luas isolados da tribo. Essa era a oitava manhã. E eles sabiam que realmente não seriam os mesmos depois desses dias.

Esta história se passa em algum lugar da imensidão do Brasil.
Próximo ou talvez na região amazônica, ou pelo menos em um dos focos que sobraram de vida natural virgem do continente florestal que ali existiu um dia. Os meninos desceram muito o rio e desavisados estavam próximos de um mundo que jamais imaginaram existir. Mas outros elementos compôe essa trama. Que supera aspectos físicos, características materiais que equivalem tantas quantas forem as metáforas que lhes vierem à cabeça. O palco é o Brasil. A manhã está apenas começando. Pequenos índios se aproximando...

Devem haver por volta de 350 a 400 barracas, muitos carros estacionados ao longe, todos muito empoeirados pela longa estrada de terra. Em cada barraca de uma a três pessoas , pode variar. Os habitantes dessa "pequena vila" andam em sua maioria descalços, quando lhes dá calor ficam semi-nus, quando é ainda maior desnudam-se nas cachoeiras e lagos. São muitos brancos, alguns pretos, algumas orientais. Um microcosmo. O som é muito potente e não pára mais que alguns momentos durante horas e dias. Existem pessoas de muitas partes do mundo. Havia muita dança ali, muitas conversas, muitos sorrisos, muitas amizades. Um ambiente de muita paz e a música envolvendo a paisagem. Apesar de estarem isolados da "civilização", ali ainda se usa o dinheiro nas trocas comerciais. Os celulares não pegam e a única comunicação possível é apenas por laptops. Máquinas de última geração são comuns pois a tecnologia é o Pai dessa celebração.

Naquela infinitude verde colorida eles vão quase que flutuando. Não fazem nenhum barulho enquanto andam, muito concentrados, não se falam. Apenas se entreolham sem diminuir o ritmo da caminhada rumo a um dia que nem nos sonhos mais profundos alcançariam. Uê leva na mão direta um arco e flexas afiadas estão amarradas ao seu corpo, ele olha o sol que penetra a densa folhagem monumental dos Jacarandás, que se embelezam mais ainda com as centenas de vivas Bromélias que nem todo conhecimento dos livros foi capaz de catalogar. Alaranjados, os raios dessa manhã sagrada iluminam o rosto de Ekii todo desenhado em Urucum, ornamentos e tinturas fazem deles bravos curumins. Guerreiros que suas coragens estão descobrindo ser. Ekii sustenta sua lança, atenta e quase sempre fatal. Vai suando a madeira. Não porque ache que vá encontrar um momento para usa-la num inevitável susto do vento, mas porque relembra, treme em calafrios e quase consegue ver os espíritos de que tanto falou seu cacique. Alertados por serem os espíritos maus, traiçoeiros e muito ligeiros, eles esão a volta. Uê também sabe e por isso a secura em sua boca, os passos devem ser cada vez mais sorrateiros para não acordar e não incomodar os temidos espíritos. Lá vão os pequenos curumins, não sabem para onde, sabem que estão distantes de onde deveriam estar. Pois é tudo que podem imaginar ao sentirem o tremor embaixo de seus pés. Há um som indecifrável, que vem d'álem da montanha na qual avistaram ao longe pessoas num mirante. Ekii passa bem perto de uma Embaúba, árvore grande, com a palma da mão faz um carinho nela de leve, ele sabe que ela também não entende o que é essa força que brota e que tudo alcança por terra e pelo ar. Eles estão estranhamente sendo atraídos por aquela vibração, na barriga uma sensação de vazio inexplicável, no pescoço um calor incômodo. Eles se afastam da vida que levavam, entre árvores, insetos, rios e mistérios eles seguem. Não há nada que agora os fizessem parar e voltar... É o momento. Dos índios. E do futuro que lhes foi guardado. É a história se repetindo, de etnias de um lugar que só o Brasil é...
Um lugar onde jovens curumins vão se emudecer com novidades pelo irônico e sarcástico enigma de um destino, o qual diferentes povos foram obrigados a enfrentar. Uê pisca os olhos, Ekii brinca sem perceber de andar marcando o som com os passos, sentiu algo diferente, foi maravilhoso, como sentar com a família à frente da fogueira nas noites na tribo. Uê sorri e uma felicidade sem razão o invade pelos ouvidos. Eles seguem... E sonham... à luz do sol e do que foi criado para ser descoberto. O elo entre o efêmero e o eterno. O viver e o se descobrir vivo.


(Teo Petri)

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